Coletti antes da internação (à dir.) e depois, com 10 quilos a menos — Foto: Arquivo pessoal
Em novembro de 2023, a educadora física Geovanna Coletti, de 28 anos, passou mal no treino de musculação. Ao sentir formigamento no braço esquerdo, acompanhado de sudorese, taquicardia e dor forte na nuca e no estômago, ela suspeitou que havia algo errado no coração. Coletti teve uma parada cardíaca e recebeu o diagnóstico de overdose por cafeína.
Praticante assídua de musculação desde os 16 anos, a educadora física toma suplementos de cafeína no pré-treino desde os 19. A quantidade recomendada por seu nutricionista era de 400 mg por dia. No entanto, ela sentia que o corpo havia se acostumado àquela dose e, por conta própria, tomava 600 mg.
Apagão no hospital
No dia fatídico, Coletti ingeriu 800 mg de cafeína antes de ir para a academia, em Santa Bárbara d’Oeste, em São Paulo. Tratava-se de uma estratégia para espantar a ressaca causada pelo remédio para dormir. Na antevéspera, seu psiquiatra dobrara a dose do medicamento para insônia. A educadora física também tomava um fármaco para ansiedade e depressão.
Quando passou mal, durante o treino, Coletti dirigiu sozinha em busca de ajuda médica e, no caminho, avisou a mãe. Ao chegar na recepção do hospital, comunicou: “Estou infartando e preciso de atendimento agora”. Depois disso, ela só se lembra de acordar num leito da unidade de terapia intensiva, entubada, quatro dias depois.
“A minha mãe me contou que, nesse período, eu sofri uma parada cardíaca, fui reanimada e tive convulsões seguidas. Os médicos disseram que eu tive uma overdose de cafeína”, relata.
Coletti ficou mais dois dias na UTI depois de acordar e quatro no quarto, antes de ter alta. Em oito dias, perdeu 10 quilos. “Quem me viu depois da internação disse que eu não parecia a mesma pessoa”, relata.
A educadora física tomou anticonvulsivantes por quatro meses, até ter alta. Atualmente, não faz uso de nenhuma medicação, nem mesmo as psiquiátricas, e também não toma mais cafeína.
Coletti publicou posts nas suas redes sociais contando a história.
"Eu ouvi relatos de pessoas que tomam doses maiores e não sentem nada. Isso também já tinha acontecido comigo. Dessa vez, foi uma somatória de fatores. Eu estava num desgaste físico e emocional grande. Tomava remédio para dormir e para ficar acordada. O corpo não aguentou”, desabafa ela, que garante não fazer uso de hormônios.
Coletti durante a internação — Foto: Arquivo pessoal
O que é a cafeína pré-treino?
A cafeína é uma substância que muitos praticantes de atividade física consomem antes do treino, com o objetivo de melhorar o desempenho físico, reduzir a fadiga e aumentar o foco. “Além disso, ela pode promover leve diurese e efeito termogênico”, afirma Andrea Ferrara, nutricionista clínica e funcional da Clínica Bottura.
A substância está disponível em várias fontes, incluindo café, chá, bebidas energéticas e suplementos em cápsulas, comprimidos, pó e gel. “Sua indicação e consumo deve ser avaliada por um profissional nutricionista e a dose, recomendada de acordo com a tolerância individual”, diz a nutricionista.
Segundo Ferrara, a cafeína deve ser consumida preferencialmente no período da manhã ou quando o treino acontecer antes das 16hs — no limite, até 6 horas antes de dormir, para não prejudicar o sono.
A substância costuma atingir seu pico no sangue cerca de 30 a 60 minutos após a ingestão. Ela é contraindicada para indivíduos hipertensos, com hipersensibilidade à cafeína, gastrite e úlcera. A dose sugerida é de 5mg por quilo de peso, chegando ao máximo de 400mg por dia. Nessa conta entra também outras fontes de cafeína, como café e refrigerante.
Por que a cafeína pode causar parada cardíaca?
De acordo com Cristina Milagre, cardiologista e médica do esporte do Hcor, a parada cardíaca pode estar relacionada a várias causas, como um infarto ou uma arritmia. Substâncias estimulantes, a exemplo da cafeína, podem causar a contração de vasos sanguíneos, aumentando a pressão arterial e o batimento cardíaco.
“Nesse caso, o vaso sanguíneo faz um espasmo, ou seja, ele se contrai, interrompendo o fluxo de sangue transitoriamente e causando um infarto, sem que a pessoa tenha uma artéria entupida, ou uma arritmia fatal. É o mesmo mecanismo da parada cardíaca causada por overdose de cocaína”, explica.
No caso de quem toma cafeína para treinar, Milagre alerta para o perigo de somar seus efeitos com a sobrecarga física.
"Durante o exercício de alta intensidade, o corpo já aumenta a pressão arterial e a frequência e o batimento cardíaco. Junto com o estimulante, vira uma bomba-relógio, por isso a gente tem visto esses eventos em pessoas mais jovens".
Fonte Marie Claire