Há 38 dias, Juliano Amaro da Silva Paula, 44, lida com as consequências de ter sido herói para uma família de Marília, no interior de São Paulo.
Continue lendo após a publicidade:
Desempregado, ele conta não se arrepender do momento em que deixou a guarita do prédio em que trabalhava para socorrer um homem, de 41 anos, vítima de um capotamento na frente do Edifício Spot, no bairro Esmeralda, onde trabalhava. O impulso de ajudar foi atendido em poucos segundos, mas o profissional acabou demitido e agora, ainda sem recolocação, percebe as contas acumularem.
Juliano estava jantando na guarita no dia 1º de fevereiro quando, por volta das 23h30, ouviu gritos de crianças e, em seguida, uma pancada muito forte. Ele olhou para a janela de onde estava e viu um carro capotando, passando por cima de outro que estava parado no cruzamento.
"Quando eu ouvi as crianças gritarem, saí de imediato. Eu tenho três filhos então foi uma coisa automática", conta ele ao UOL. O porteiro é pai de uma menina de 3 anos, um menino de 5 anos e outro de 13.
Ele trabalhava há nove meses no prédio, após uma vida de mais de vinte anos se dedicando ao ofício em empresas de segurança.
Continue lendo após a publicidade:
Com curso de primeiros socorros, Juliano conta que não hesitou em ajudar as vítimas do acidente. "Na hora que eu fui sair correndo, a cadeira chegou a bater na mesa e até caiu comida no chão. Eu só conseguia pensar em ajudar aquelas pessoas", diz ele.
Ao chegar no local do acidente, Juliano encontrou o primeiro carro com as crianças conscientes e em bom estado de saúde. Ele então decidiu ver o outro veículo que, segundo ele, havia capotado três vezes.
Eu entrei no carro e não vi ninguém. Olhei para os lados, para ver se a pessoa tinha sido lançada fora, mas ele não estava lá. Então dei a volta, quebrei o vidro de trás, entrei por trás do carro e achei a vítima, um homem de 41 anos", relata. "Ele estava em uma posição muito ruim, sobre o próprio pescoço. Se demorasse o socorro, ele seria prejudicado. Então, como sou socorrista, eu coloquei ele em uma posição melhor para não causar danos a possíveis fraturas na coluna. Ele estava desacordado, sangrando muito e aspirando esse sangue.
Continue lendo após a publicidade:
Juliano ainda revelou que realizou manobras para despertar a vítima do capotamento e que, durante o procedimento, conseguiu ajuda de outro pedestre, que telefonou para o SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência). Enquanto aguardavam a ambulância, o homem despertou.
"Coloquei ele na maca, ele se encaminhou para o hospital e eu subi para o prédio para me lavar. A todo tempo eu olhava a portaria para ver se tinha algum movimento de morador, mas naquela hora não havia ninguém", diz. Juliano ainda diz que os moradores e funcionários possuem um cartão que, ao ser encostado em um aparelho, libera entrada e saída de pessoas.
No dia seguinte, no entanto, a notícia chegou até o Grupo IF3, responsável pela segurança do edifício. Segundo Juliano, a empresa entendeu que ele havia descumprido procedimentos internos ao socorrer a vítima do capotamento, já que ele não poderia deixar a guarita.
Continue lendo após a publicidade:
Me falaram que eu não poderia fazer isso e foi um choque. Eu disse: 'Se fosse um filho seu, o que você faria?'. Mas eles disseram que não deveria ter saído da guarita por nada. Eu expliquei que foi uma capotagem e que eu era socorrista, mas não adiantou.
A empresa deu a Juliano duas alternativas: pedir a demissão ou ser demitido por justa causa. "Eu falei: 'eu vou embora por ter salvado uma pessoa? Eu fiz um juramento de que se eu não realizar socorro, eu estou cometendo um crime'", relembra. "Eu passei mal. Fiquei constrangido, mas eles não mudaram de ideia."
Desde então, Juliano tenta procurar um emprego que possa atender às necessidades dele e da família. Segundo ele, a mulher, que é funcionária pública e trabalha na prefeitura de Marília, não ganha o bastante para cobrir todas as despesas mensais. Além disso, o filho dele de 5 anos tem autismo e precisa de um medicamento controlado de alto custo para ter qualidade de vida.
Eu não tenho dormido à noite. Meu filho de cinco anos não entende porque eu passo tanto tempo em casa. Às vezes ele pergunta se eu estou de folga diariamente e eu nem sei como explicar para ele. Eu tenho mandado currículo, mas a minha área na cidade é muito difícil. Estava prestes a começar um curso de vigilante, mas agora a minha vida parou", relata.
A família da vítima chegou a entrar em contato com Juliano para agradecer o socorro. A mãe da vítima relatou, em vídeo, que o filho estava sem cinto de segurança e que os primeiros socorros foram cruciais para manter a vida dele.
"É muito difícil encontrar pessoas assim hoje. As pessoas geralmente se preocupam mais com eles próprios ou criticam quando veem uma coisa dessa acontecer, já o Juliano foi lá e prestou os socorros e nos orientou a chamar guincho e nos apoiou", disse ela. "Meu filho está bem hoje por ter sido socorrido imediatamente naquele momento".
Continue lendo após a publicidade:
Juliano conta que recebeu apoio de diversos moradores após a demissão. O prédio possui muitas famílias árabes e ele chegou a aprender até mesmo inglês em cursos online para conseguir se comunicar com os moradores.
"Eu sempre trabalhei muito, nunca tive nenhum problema, sempre chegava no horário. Teve alguns moradores que me ligaram para prestar solidariedade. Eu fui ajudar uma pessoa e ajudando essa pessoa eu não prejudiquei o meu trabalho e o meu serviço. Eu achei uma injustiça muito grande".
Apesar da demissão, Juliano diz que, se a situação ocorresse novamente, ele não pensaria duas vezes: "Se for um acidente daquela forma, daquele grau de gravidade, eu vou socorrer", finaliza.
O UOL entrou em contato com o Grupo IF3 e com a ex-chefe de Juliano para obter um posicionamento sobre o caso, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. O espaço será atualizado assim que houver manifestação.
Fonte: UOL
Publicidade: