segunda-feira, 9 de agosto de 2021

'A gente quer esquecer, mas não consegue', diz homem negro que tirou a roupa para provar que não estava furtando em mercado de Limeira



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Metalúrgico Luiz Carlos da Silva, de 56 anos, afirmou que seguranças queriam levá-lo a um local mais escondido durante abordagem; segundo a vítima, houve um pedido inicial para retirar a blusa, mas que não foi suficiente para acabar com desconfianças, e ele decidiu tirar a calça.
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"'A gente quer esquecer, mas não consegue". O desabafo é do homem negro de 56 anos que na última sexta-feira (7) tirou a roupa para provar que não tinha furtado mercadorias de um supermercado, em Limeira (SP), após ser abordado por seguranças. A ação foi gravada em imagens, nas quais é possível ver a vítima chorando durante o ato.

Em entrevista à EPTV, afiliada da TV Globo, o metalúrgico Luiz Carlos da Silva relatou que mora em Iracemápolis (SP) e foi ao Centro de Limeira realizar pesquisa de preços na unidade do Assaí Atacadista, onde ocorreu a abordagem. 

Inicialmente, o G1 preservou a identidade para evitar exposição da vítima, mas ele aceitou se identificar em entrevista à EPTV.

"Andei pelo mercado todo, pesquisei os preços, e achei muito caro. Achando muito caro, eu estava saindo já, estava sem bolsa. Como estava de boné e blusa comprida, fui saindo e dois seguranças falaram: 'dá para você encostar ali para ver se você está com alguma coisa embaixo da blusa?'", relatou.

Segundo ele, primeiro houve o pedido para retirar a blusa. "Aí abri a blusa, e ele falou: 'dá para levantar a camiseta?', e eu falei que dava, levantei a camiseta e ficaram olhando um para o outro. Se eles começassem a falar antes daquilo que eu mostrei para eles 'me desculpa, você pode ir embora', mas começaram a olhar um para outro com aquela desconfiança", detalha.
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Foi quando Luiz Carlos decidiu tirar as demais peças para que acabasse a desconfiança. "Na hora fiquei muito nervoso e falei: 'vou tirar a calça também'. Aí, foi nesse momento que eu tirei a roupa para ele ver que não tinha nada lá. Tirei a carteira, tirei o celular de dentro do bolso da calça. Aí ele falou: 'não precisava fazer isso', e eu falei: 'vocês me obrigaram a fazer isso aí. Porque se no primeiro momento que vocês me pararam eu mostrei a vocês que não tinha nada, vocês ficaram desconfiados ainda, agora vocês viram que não tinha nada'", acrescentou.

"Aí deu vontade de brigar, mas no meu pensamento, se eu for brigar eu estou errado. Então, eu comecei a chorar porque não podia bater, nem brigar, nem fazer nada".

Local escondido

Após ter retirado a roupa, ele conta que vieram mais dois seguranças onde estava e ficaram quatro funcionários ao seu redor para que outros clientes não o enxergassem.

"Na entrada, tem um cantinho que eles levam as pessoas para revistarem. Atrás do balcão onde fazem cartão, atrás tem um 'bequinho'. Eles queriam que eu entrasse lá, mas eu falei: 'Não vou entrar aí. Se já está revistando, vai revistar aqui mesmo. Já está tudo no chão, o que mais vocês querem ver?'", questionou.

Ele contou que quem o tirou do local foi uma cliente que enfrentou os seguranças.

Primeira vez

O metalúrgico contou que nunca passou por situação parecida. "Morei na maior favela de São Paulo, nos anos 80 até os anos 90, nunca passei por essa situação. Sempre trabalhei, trabalhava na feira para ajudar minha mãe. Minha mãe me ensinou a nunca roubar coisas dos outros. 'Era melhor pedir do que roubar', ela falava. [...] E porque eu iria roubar agora, sendo que eu sempre trabalhei em uma comunidade que tem tudo? Se alguém precisa de alguma coisa, todos eles ajudam", desabafou.
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Questionado se o caso teria sido racismo, Luiz afirmou que não pode confirmar nada e que isso é a Justiça que vai dizer. "Quando eu estava saindo, muita gente também estava saindo. Por que logo eu pararam?", questiona.

"A gente quer esquecer, mas não consegue", lamentou.

Registro na polícia

O caso aconteceu na sexta-feira (6) e, após a abordagem, a vítima registrou um boletim de ocorrência por constrangimento na Polícia Civil.

Segundo o registro policial, o homem negro foi abordado por dois seguranças que suspeitaram que o cliente havia furtado produtos da loja na tarde de sexta.





Para o presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Robson de Oliveira, o caso caracteriza crime de racismo e deve haver punições aos responsáveis.

As imagens mostram o homem em um canto da loja, somente de cueca, muito nervoso. Ele começou a chorar e precisou ser acalmado pelos próprios funcionários.

Em um momento, ele começa a gritar, desesperado com os funcionários: "eu vim aqui pra comprar alguma coisa e me chamam de ladrão."

Em seguida, ele começa a apontar para os objetos dele, deixados no chão durante a abordagem, questionando se teria algo da loja que foi levado. Após vestir a roupa, ainda chorando, ele começa a recolher os objetos no chão.

Várias pessoas que estavam em volta acompanhando a cena criticaram a atitude dos seguranças, conforme mostra o vídeo.

O que diz a rede atacadista

A rede atacadista Assaí informou, em nota, que a abordagem foi feita por um funcionário e um segurança terceirizado. Como decisão imediata, ainda no final de semana, foi aberto um processo interno de apuração, realizado o afastamento do empregado responsável pela abordagem e, nesta segunda-feira (9), formalizada sua demissão.

Já o segurança da empresa terceirizada foi afastado da operação. A rede disse, ainda, que não adota e nem orienta abordagens constrangedoras a clientes.

"A empresa se desculpa pela abordagem indevida que causou o constrangimento na última sexta-feira na unidade de Limeira. A companhia recebeu com indignação as imagens dos vídeos e se solidariza totalmente com o cliente", diz a empresa, em nota oficial.
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O Assaí informou, ainda, que entrou em contato com a família do cliente quando soube do ocorrido e se desculpou, se colocando à disposição.

"Outras providências necessárias serão tomadas tão logo a investigação estiver encerrada. O caso deixa a companhia certa de que precisa reforçar ainda mais os processos com a loja em questão e todas as demais", completou.

Investigação

A ocorrência foi registrada como constrangimento na polícia no dia seguinte, sábado (7), por não haver provas de injúria racial contra os funcionários.

Por nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo informou que a Polícia Civil disse que a natureza da ocorrência foi tipificada com as informações passadas no momento do registro, podendo ser alterada no decorrer das investigações.

"Equipes da unidade estão em diligência para obter imagens, bem como identificar testemunhas e demais envolvidos dos fatos. A vítima será ouvida para dar mais detalhes sobre o caso, assim como os seguranças do estabelecimento comercial", diz a nota. O caso é investigado pelo 1º DP de Limeira.

"Eu não tenho elementos para falar pra você: foi racismo ou foi injúria racial. O que nós vamos fazer é tomar todas as medidas, todo procedimento cabível que a gente tem ao nosso alcance para investigar se esse caso está ligado a racismo ou a injúria racial", apontou o advogado da vítima.



Fonte: G1

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