A descoberta da variante B.1.617 não é exatamente uma novidade: os primeiros relatos dessa nova versão do coronavírus foram publicados ainda em outubro de 2020.
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Mais recentemente, porém, o interesse e a preocupação relacionados a essa linhagem aumentaram consideravelmente.
Isso porque o número de casos de covid-19 provocados por ela aumentou consideravelmente na Índia, seu provável local de origem.
Nas últimas semanas, a cepa também foi detectada em outros 44 países de todos os seis continentes.
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Desde o final de abril, a Índia vive seus piores momentos desde que a pandemia começou, com recordes nos números de infectados e óbitos pela covid-19 — embora a variante não seja o único fator que explica esse agravamento da crise sanitária por lá.
No Reino Unido, a subida vertiginosa de pacientes infectados com a B.1.617 ameaça a reabertura: já existem dúvidas se as atividades sociais e econômicas serão 100% retomadas até junho, como planejado.
Por ora, o Brasil ainda não tem nenhum caso provocado por essa linhagem oficialmente detectado.
Mas a confirmação da chegada da cepa à Argentina e as notícias de um paciente indiano que está em observação no Maranhão ligaram recentemente o sinal de alerta no país.
Mas o que faz a B.1.617 ser tão preocupante assim?
O que a ciência já sabe
Essa variante possui três versões, com pequenas diferenças: a B.1.617.1, a B.1.617.2 e a B.1.617.3.
Todas elas foram descobertas na Índia, entre outubro e dezembro de 2020.
A análise genética revelou que o trio apresenta mutações importantes nos genes que codificam a espícula, a proteína que fica na superfície do vírus e é responsável por se conectar aos receptores das células humanas e dar início à infecção.
Entre as alterações, três delas chamam mais a atenção dos especialistas: a L452R, a E484Q e a P681R.
Vale reparar que a mutação L452R já havia sido observada em duas variantes detectadas em Nova York e na Califórnia, nos Estados Unidos.
A E484Q tem algumas similaridades com a E484K, que foi uma alteração encontrada em outras três linhagens que ganharam bastante destaque nos últimos meses: a B.1.1.7 (Reino Unido), a B.1.351 (África do Sul) e a P.1 (Brasil).
Já a mutação P681R parece ser exclusiva das versões flagradas na Índia e não se sabe muito bem o que ela pode significar na prática.
"Essas mutações virais estão surgindo em cidades em que há o relaxamento das medidas de proteção e onde se acreditava que a população já estava imunizada, seja pela infecção natural ou pela vacinação", diz o virologista Fernando Spilki, professor da Universidade Feevale, no Rio Grande do Sul.
Em linhas gerais, tudo indica que esses "aprimoramentos" genéticos melhoram a capacidade de transmissão do vírus e permitem que ele consiga invadir nosso organismo com mais facilidade.
Antes, com as versões anteriores, era necessário ter contato com uma quantidade considerável de vírus para ficar doente.
Agora, com as novas variantes, essa carga viral necessária para desenvolver a covid-19 é um pouco mais baixa, o que certamente representa um perigo.
"É como se o vírus criasse caminhos para escapar do sistema imune e desenvolvesse maneiras de transmissão mais eficazes", completa Spilki, que também coordena a Rede Corona-Ômica, do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações.
O que a ciência ainda não sabe
Por enquanto, ainda há muitas perguntas sem respostas sobre a B.1.617 e seu impacto no controle da pandemia.
Até o momento, os cientistas não conseguiram estabelecer a sua real velocidade de transmissão e o quanto as mudanças genéticas contidas nessa linhagem interferem na eficácia das vacinas já disponíveis.
Também não se sabe ao certo se a variante está relacionada a quadros de covid-19 mais graves, que exigem internação e intubação.
Com base nas poucas informações disponíveis, o Grupo Independente de Aconselhamento Científico para Emergências (Indie-Sage), do Reino Unido, montou projeções para entender como a cepa pode influenciar a pandemia por lá.
Se a B.1.617 for de 30% a 40% mais transmissível que a B.1.1.7 (que é a variante dominante até o momento no Reino Unido), é possível que a região volte a viver uma situação tão grave quanto a que ocorreu nas ondas anteriores, com aumento considerável no número de hospitalizações.
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Se ficar provado que essa variante consegue "escapar" da proteção da vacina, é provável que a situação seja ainda pior, estimam os especialistas.
Vale lembrar que o Reino Unido é um dos países com o melhor sistema de vigilância genômica do mundo: todas as semanas, eles fazem o sequenciamento genético de dezenas de milhares de amostras.
E os resultados recentes indicam um aumento considerável na presença da B.1.617 em terras britânicas: em uma semana, o número de casos provocados por essa nova variante quase triplicou.
Em 12 de maio, 1.331 amostras analisadas apresentaram a linhagem descoberta originalmente na Índia. Na semana anterior, eram 520.
Nos últimos 30 dias, a participação relativa dela no total de casos que foram sequenciados geneticamente subiu de 1% para 9%.
Em algumas regiões inglesas, como Bolton, Blackburn, Bedford e Sefton, a B.1.617 já representa a maioria dos casos analisados e já se tornou dominante.
Para conter o problema, o Indie-Sage montou um plano emergencial, que envolve seis ações prioritárias, como a aceleração da vacinação no Reino Unido e no mundo, o controle de fronteiras, o aperfeiçoamento dos sistemas de diagnóstico locais e a continuidade da vigilância epidêmica e genômica.
E na Índia?
Enquanto o país asiático bate recorde atrás de recorde no número de casos e de mortes, muito se questiona sobre o papel da B.1.617 nesse cenário.
Não há dúvidas de que a variante tem influência no contexto indiano, mas as autoridades em saúde pública sabem que ela não é a única culpada por todo o caos.
Uma análise da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicada no dia 9 de maio admite que a guinada e a aceleração da transmissão da covid-19 na Índia tem uma série de fatores, "incluindo a proporção de casos provocados por variantes com maior transmissibilidade".
Mas o relatório da entidade não ignora também outros ingredientes fundamentais para entender essa crise sanitária, "como aglomerações relacionadas a eventos religiosos e políticos e a redução da aderência às medidas preventivas de saúde pública e sociais", como o uso de máscaras e o distanciamento físico.
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A própria OMS, inclusive, apontou recentemente a B.1.617 como uma "variante de preocupação global" pelas evidências de maior transmissibilidade.
Por outro lado, outras instituições, como o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, ainda aguardam mais dados para fechar uma classificação.
Na visão desses órgãos, a B.1.617 segue como uma "variante de interesse", que precisa ser melhor estudada e acompanhada.
E o Brasil no meio disso tudo?
Até o momento, essa nova variante ainda não foi encontrada no Brasil.
Mas alguns indícios aumentam a preocupação sobre a entrada da linhagem no país.
Primeiro, no dia 10 de maio, a Argentina anunciou a descoberta de dois casos de covid-19 causados pela B.1.617.
O vírus foi flagrado por lá em dois menores de idade, que voltavam de uma viagem a Paris, na França.
Como a Argentina faz fronteira com o Brasil e há um constante fluxo entre os dois países, o risco de a nova versão do vírus "pular" para cá aumenta consideravelmente.
Uma segunda notícia que deixou os especialistas apreensivos foi a chegada do navio MV Shandong da ZHI em São Luís, capital do Maranhão, no último sábado (15/05).
Um passageiro indiano que estava na embarcação foi diagnosticado com covid-19 e permanece em observação num hospital privado da capital maranhense.
A vigilância sanitária do estado determinou a quarentena de todos os tripulantes, enquanto o caso é analisado para saber se é causado pela B.1.617.
Independentemente desses dois fatos, que certamente ligam o sinal de alerta, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil entendem que nosso país não possui um sistema com capacidade de barrar a entrada de novas variantes.
"Precisamos de uma vigilância nas fronteiras, que consiga testar as pessoas que passam pelos portos e aeroportos", aponta o virologista Flávio da Fonseca, da Universidade Federal de Minas Gerais.
Há cerca de 15 dias, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sugeriu que o Governo Federal tomasse medidas mais contundentes, como a proibição da chegada de voos vindos da Índia.
Mas uma atitude sobre o tema só foi tomada dez dias depois: uma portaria que proíbe temporariamente a entrada de passageiros vindos não só da Índia, mas também de África do Sul, Reino Unido e Irlanda do Norte, foi publicada no Diário Oficial da União na última sexta-feira (14/05).
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Fonseca, que também é presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, entende que a introdução da variante no país é alarmante.
"Quando a segunda onda da covid-19 começa a dar sinais ainda tímidos de diminuição, me preocupa a possibilidade de uma nova linhagem chegar e piorar as coisas novamente", avalia.
Para evitar que isso aconteça, o país deveria não apenas cuidar melhor de suas fronteiras, mas também lançar mão de um sistema de vigilância genômica amplo e ágil.
Assim, os indivíduos infectados que entrassem por meio de navios e aviões poderiam ser identificados e isolados antes de transmitirem as novas versões do vírus dentro de nossas fronteiras, criando cadeias de transmissão internas.
"O clamor é o mesmo desde o início da pandemia: necessitamos de uma coordenação central e de medidas que possam servir de barreira às variantes, como os testes, a quarentena e a diminuição ou o corte de voos de países que estejam com a pandemia descontrolada", reforça Spilki.
Competição feroz
Numa eventual "invasão" da B.1.617 ao Brasil, uma coisa que ninguém sabe é como ela vai se comportar e competir com as outras variantes que dominam a situação de momento, especialmente a P.1.
"A variante detectada na Índia pode chegar ao Brasil e não encontrar espaço para se desenvolver, pois aqui já temos uma linhagem mais adaptada e agressiva", especula Fonseca.
Foi isso, aliás, que parece ter acontecido com outras variantes de preocupação, como a B.1.1.7 (Reino Unido) e a B.1.351 (África do Sul): elas até foram detectadas por aqui, mas a participação delas na pandemia é pequena e não evoluiu, ao contrário do que ocorreu em outras nações.
Detectada pela primeira vez em Manaus, a P.1 se alastrou para o país inteiro e, em questão de semanas, se tornou a linhagem mais frequente das cadeias de transmissão.
"Eu diria que, no momento, a variante encontrada no Amazonas me preocupa muito mais, pois ela é tão ou ainda mais transmissível que a linhagem da Índia", avalia o virologista José Eduardo Levi, da rede de laboratórios de diagnóstico Dasa.
"Também fico apreensivo com os 'filhotes' da P.1, que são as variantes que surgiram ou podem surgir a partir dela", acrescenta o especialista, que também é pesquisador do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo.
Em meio a tantas incertezas e projeções, uma coisa é certa: do ponto de vista individual, as medidas de prevenção contra o coronavírus continuam as mesmas, não importa qual a variante de maior circulação.
Distanciamento físico, uso de máscaras, lavagem das mãos e cuidados com a circulação do ar pelos ambientes continuam imprescindíveis.
Também é essencial tomar a vacina quando chegar a sua vez.
"As novas variantes do coronavírus podem até se disseminar mais rápido e enganar uma resposta imune prévia, mas todas as estratégias não farmacológicas de proteção seguem válidas", reforça Fonseca.
Fonte:BBC
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